Wicliffe de Andrade Costa
SUGESTÕES PARA USO DA MEDITAÇÃO
Os comentários foram gerados em muitos dias de meditação em um único salmo. Após dezenas de leituras, várias folhas de papel se enchiam com as percepções que iam surgindo. Ao meditar nos salmos, sugiro que seja tomado um caminho semelhante: debruçar-se sobre o mesmo salmo por vários dias. Em cada dia, uma seção do salmo (indicada pelos subtítulos das meditações) poderá ser apreciado devagar, como se você estivesse saboreando sua sobremesa preferida.
Minha expectativa é que essa abordagem dos salmos seja uma experiência enriquecedora e marcante em termos espirituais.
Salmo 5
Para o mestre de música. Para flautas.
Salmo davídico.
1 Escuta, SENHOR, as minhas palavras,
considera o meu gemer.
2 Atenta para o meu grito de socorro,
meu Rei e meu Deus,
pois é a ti que imploro.
3 De manhã ouves, SENHOR, o meu clamor;
de manhã te apresento a minha oração
e aguardo com esperança.
4 Tu não és um Deus que tenha prazer na injustiça;
contigo o mal não pode habitar.
5 Os arrogantes não são aceitos na tua presença;
odeias todos os que praticam o mal.
6 Destróis os mentirosos;
os assassinos e os traiçoeiros o SENHOR detesta.
7 Eu, porém, pelo teu grande amor,
entrarei em tua casa;
com temor me inclinarei para o teu santo templo.
8 Conduze-me, SENHOR, na tua justiça,
por causa dos meus inimigos;
aplaina o teu caminho diante de mim.
9 Nos lábios deles não há palavra confiável;
suas mentes só tramam destruição.
Suas gargantas são um túmulo aberto;
com suas línguas enganam sutilmente.
10 Condena-os, ó Deus!
Caiam eles por suas próprias maquinações.
Expulsa-os por causa dos seus muitos crimes,
pois se rebelaram contra ti.
11 Alegrem-se, porém, todos os que se refugiam em ti;
cantem sempre de alegria!
Estende sobre eles a tua proteção.
Em ti exultem os que amam o teu nome.
12 Pois tu, SENHOR, abençoas o justo;
o teu favor o protege como um escudo.
ESPERANÇA NO GRANDE AMOR
Meditação sobre o Salmo 5
Esse é identificado como um salmo do grupo davídico. Não se especifica a situação particular em que o mesmo foi composto. Mas ele apresenta um tema universal da experiência humana: o sofrimento. Muitos sistemas religiosos e filosóficos têm tentado explicar e resolver a questão do sofrimento. Nos meios evangélicos também têm proliferado panaceias que prometem solucionar o problema do sofrimento. Vejamos, no salmo, como a Palavra de Deus se posiciona diante da temática.
SOFRO E CLAMO (v. 1-3) –
Na primeira estrofe, a situação que o salmista enfrenta é de dificuldades. Ele experimenta dor e não a esconde. Permite-se gemer diante de Deus (v. 1). A sua expectativa era de que o SENHOR o ouvisse, daí ele clamar. De vários modos, ele coloca Deus a par de sua situação: “escuta, considera, atenta, grito de socorro, imploro, ouves o meu clamor, apresento a minha oração”.
É muito consolador encontrarmos alguém diante de quem podemos nos abrir quando atravessamos vales de dor. Nesse momento, o salmista nada pede especificamente a Deus, no sentido de sua ação. O que ele deseja é somente ser ouvido.
Após ter falado, ter expressado a sua dor, ele cala – aguardo com esperança (v. 3). Há o tempo para falar e há o tempo para calar. Agora é a vez de estar aberto ao que o SENHOR deseja falar. Às vezes somos apressados demais e queremos que Deus, num toque de mágica, nos livre da dor que atravessamos. Porém, é possível que ele queira nos ensinar através da dificuldade. O sofrimento e a obediência do Filho estão indissoluvelmente ligados (Foi aperfeiçoado e aprendeu a obediência através do sofrimento – Hb 2.10 e 5.8). No momento de Deus falar, calemo-nos. Como expressou-se S. João Crisóstomo: “Meu Deus! Que o meu silêncio deixe lugar às tuas palavras.”
Ao salmista resta, agora, esperar, confiando no amor e na misericórdia do SENHOR, com quem tinha uma relação pessoal (“meu Rei e meu Deus”, v. 2).
Ele clama e espera.
ESPERO E RECORDO (v. 4-7) –
Na segunda estrofe, o olhar do salmista se volta para o SENHOR, a quem buscou em sua aflição. Enquanto espera a palavra de Deus, ele reflete sobre o seu caráter, cujos aspectos são referidos nos vers. 4-6. Que Deus é este em quem estou esperando?
Primeiramente, ele lembra as coisas que são incompatíveis com Deus – a injustiça, o mal, a arrogância, a mentira, o assassínio, a traição. Por outro lado, é um Deus que nos permite usufruir da sua intimidade (…entrarei em tua casa, v. 7), se nos aproximarmos em humildade, que se expressa no ato de inclinar-se e reconhecer sua grandeza, temendo-o. A base dessa aproximação é o seu grande amor, uma vez que não temos nenhum mérito.
Em momentos de dificuldades, não podemos ficar fixados somente nas circunstâncias que atravessamos. É preciso levar em conta o Deus no qual está nossa esperança.
Ele recorda e confia.
CONFIO E OBEDEÇO (v. 8-9) –
Na terceira estrofe (v. 8-9), o poeta faz-nos vislumbrar a razão de suas dificuldades e de sua dor: as más intenções de seus adversários, homens que não temiam a Deus (v. 10), cuja orientação interior voltava-se completamente para a destruição (…só destruição – v. 9). E, por isso, não eram sinceros no que falavam. Valiam-se da lisonja ao mesmo tempo em que maquinavam seus planos de morte.
Tendo trazido à memória o caráter de Deus, sobretudo sua reação ao mal (v. 4-6) e seu grande amor (v. 7), a fé do salmista é despertada e uma petição brota. Ele confia no SENHOR e pede-lhe que dirija sua vida (v. 8). Para nos defendermos, é tentador lançar mão das mesmas armas que o adversário usa: a fraude, a mentira, etc. Daí a necessidade de clamarmos ao SENHOR para que ele nos mantenha dentro do seu padrão (tua justiça – v. 8), no caminho da retidão. A confiança em Deus se expressa em obediência à sua vontade.
Não é fácil enfrentarmos a calúnia, a difamação, a crueldade, a hipocrisia, sendo fiéis aos padrões de justiça de Deus. Porém, se nos mantivermos firmes nesse propósito, permaneceremos unidos a Deus. Isto vem a transformar totalmente a situação.
Ele obedece e descansa.
DESCANSO E ALEGRO-ME (v. 10-12) –
O salmista, na última estrofe, entrega a sua causa nas mãos de Deus e pode descansar nele. A sua dor é substituída pelo descanso. A confiança em Deus lhe permite apropriar-se do que ainda não se vê: a derrota dos ímpios e a vitória dos justos. As circunstâncias não mudaram. Mas mudou a condição interior: a dor de enfrentar a falsidade e as articulações malévolas dos inimigos é substituída pela serenidade que nasce da certeza de que Deus intervirá.
Sua luta é, agora, a luta de Deus. Aqueles que antes eram “meus inimigos” (v. 8) são agora definidos como rebelando-se contra o SENHOR (v. 10). E, “se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8.31). Os ímpios podem estar vencendo no momento, entretanto no final fracassarão e serão rejeitados por Deus. O fracasso dos ímpios é certo (v. 10), pois Deus é fiel. Eles são culpados diante de Deus e receberão justo castigo. Nesse momento o salmista vê, em sua própria experiência, a manifestação do caráter de Deus tal como ele conhecia (v. 4-6).
Ao final, o autor do salmo vislumbra que, passada a borrasca, alegria e júbilo experimentarão os que se apegaram ao SENHOR (v. 11-12). Estes sabem que em si não teriam condições de enfrentar os inimigos vitoriosamente. Estão conscientes de que é Deus quem os defende; ele é o nosso escudo e sua boa vontade volta-se para nós, desejando nos ajudar.
Para pensar – Você se deixaria guiar por alguém em quem não confia?
Para orar – “Conduze-me, SENHOR, na tua justiça.”
Para guardar – Minha luta é tua.
OBSERVAÇÃO
Esta meditação faz parte do livro “Intimidade com Deus: meditações nos Salmos”, que você pode adquirir com o autor. Contato: <wicliffecosta@ufrnet.br>.
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